Este conteúdo foi desenvolvido em parceria entre Axom e Dra. Ana Beatriz Barbosa, combinando ciência de ponta com informação acessível para promover saúde cerebral baseada em evidências.
Em uma terça-feira comum de trabalho, Maria*, 38 anos, gerente de projetos em São Paulo, sentiu seu coração disparar durante uma reunião online. As mãos tremiam, a respiração estava curta, e pela primeira vez em 15 anos de carreira, ela não conseguia lembrar as informações de um relatório que havia revisado minutos antes. Não era um ataque cardíaco era burnout. E Maria não está sozinha.
Dados revelados em fevereiro de 2025 pelo DATASUS mostram que o Brasil registrou um crescimento de 1.000% nos afastamentos por burnout em uma década. Se em 2014 foram apenas 41 casos oficialmente notificados, em 2023 o número explodiu para 421 afastamentos e 2024 bateu todos os recordes, com o maior pico de notificações da história (28,4%). Mais alarmante ainda: levantamento da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, publicado em novembro de 2024, identificou 1.458 casos notificados entre 2014 e 2024, com crescimento progressivo especialmente a partir de 2020.
Estamos diante de uma epidemia silenciosa que finalmente ganhou reconhecimento oficial. Em janeiro de 2025, o burnout passou a ser classificado oficialmente como doença ocupacional no Brasil, seguindo a Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde. E os números que começam a emergir são assustadores.
Os Números Que Ninguém Quer Ver Mas Precisa
Segundo a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout. O país ocupa a segunda posição no ranking mundial de casos uma estatística que deveria acender todos os sinais de alerta.
Mas é quando olhamos para o crescimento exponencial que a real dimensão do problema fica clara:
● 2014: 41 casos de afastamento
● 2019: (pré-pandemia): 178 casos
● 2023: 421 casos (aumento de 136% em relação a 2019)
● 2024: Pico histórico de notificações
Uma pesquisa divulgada pela Medprev em maio de 2025 revelou que a busca online pela síndrome aumentou 37% em 2024 (janeiro a julho) comparado ao mesmo período de 2023. Segundo dados do Google Trends, nunca houve tanto interesse pelo burnout no Brasil desde o início da série histórica em 2004.
E não para por aí. Um levantamento exclusivo do escritório Trench Rossi Watanabe, divulgado pela Folha de S.Paulo, mostrou que foram 5.248 novos processos trabalhistas por burnout distribuídos de janeiro a abril de 2025, contra 4.585 no mesmo período de 2024 um aumento de 14,5% em apenas um ano. Ao longo de todo 2024, foram 16.670 ações trabalhistas ligadas a burnout, número 22 vezes maior que o registrado em 2014 (771 casos).
O passivo financeiro? Assustador: R$ 3,75 bilhões em processos, com valor médio de aproximadamente R$ 369 mil por ação.
O Que É Exatamente o Burnout?
A Organização Mundial da Saúde define o burnout como “resultante de um estresse crônico associado ao local de trabalho que não foi adequadamente administrado”. Importante: a síndrome se refere especificamente a um fenômeno diretamente vinculado às relações de trabalho não pode ser aplicada a outras áreas da vida.
A síndrome se caracteriza por três dimensões principais:
- Exaustão Emocional: Sensação persistente de cansaço extremo que não melhora com o descanso. Como explica a pesquisadora Cláudia Osório da Fiocruz: “Não é normal que o trabalho leve alguém a um ponto de esgotamento em que um fim de semana não te deixa descansado para retomar na segunda-feira”.
- Despersonalização/Cinismo: Manifestado por indiferença e descaso pelo trabalho. A pessoa pode ter ânimo para atividades pessoais (cinema, família, filhos) mas não ter ânimo para trabalhar um mecanismo de defesa para não desmoronar completamente.
- Redução da Eficácia Profissional: Sensação de que os objetivos são impossíveis de alcançar, perda de sentido no trabalho, dificuldade de concentração e queda na qualidade das entregas.
Quem Está Mais Vulnerável?
Os dados epidemiológicos de 2024 traçam um perfil claro dos mais afetados:
Mulheres lideram: 71,22% dos casos notificados são do sexo feminino. Especialistas atribuem esse número ao acúmulo de múltiplas responsabilidades trabalho, maternidade, atividades domésticas, cuidado com familiares.
Faixa etária crítica: Adultos entre 35 e 49 anos representam 55,52% dos casos, período em que muitos profissionais estão no auge da pressão por resultados e progressão de carreira.
Escolaridade: 49,70% dos afetados têm ensino superior completo, sugerindo que profissionais em cargos de maior responsabilidade e pressão estão particularmente vulneráveis.
Jovens em risco crescente: Uma pesquisa internacional com mais de 10 mil trabalhadores revelou que 48% dos que afirmaram estar esgotados tinham entre 18 e 29 anos. Especialistas atribuem essa vulnerabilidade ao aumento de ambições pessoais e pressão para conquistar grandes feitos desde cedo.
Distribuição regional: A região Sudeste concentra 52,81% dos casos, seguida pelo Nordeste (29,77%), Sul (12,35%), Centro-Oeste (2,88%) e Norte (2,19%).
Os Sintomas Que Você Não Pode Ignorar
O burnout não aparece de um dia para o outro. É um processo progressivo que, se não identificado e tratado, pode levar a consequências graves. Estudos de 2024 listam os principais sinais de alerta:
Sintomas Físicos:
● Fadiga persistente e sensação de esgotamento extremo
● Insônia ou sonolência excessiva
● Dores de cabeça frequentes
● Tensão muscular crônica
● Problemas gastrointestinais
● Palpitações e taquicardia
● Baixa imunidade (resfriados frequentes)
Sintomas Emocionais/Cognitivos:
● Dificuldade de concentração e lapsos de memória
● Irritabilidade e baixa tolerância à frustração
● Ansiedade persistente
● Tristeza, apatia e desesperança
● Sentimento de incompetência
● Perda de sentido e propósito no trabalho
Sintomas Comportamentais:
● Isolamento social
● Procrastinação
● Cinismo em relação ao trabalho
● Absenteísmo e presenteísmo (estar fisicamente presente mas mentalmente ausente)
● Uso aumentado de álcool, tabaco ou outras substâncias
Em casos mais graves, o burnout pode levar à depressão severa, isolamento social total e até pensamentos suicidas. Segundo dados do DATASUS, em 66,37% dos casos o paciente apresentou incapacidade temporária para o trabalho.
Por Que Agora? As Raízes da Epidemia
Especialistas apontam múltiplos fatores que explicam a explosão de casos:
- Pandemia de COVID-19: Estudos sugerem que o transtorno afeta principalmente mulheres entre 35 e 49 anos desde 2019, possivelmente devido à pandemia da Covid-19 Revista FT. O home office borrou as fronteiras entre vida pessoal e profissional, aumentando jornadas e isolamento social.
- Cultura do alto desempenho: A pesquisadora Cláudia Osório da Fiocruz explica que “o modo de pensar neoliberal do capitalismo é claramente responsável pelo aumento da frequência de depressão e burnout”. A gestão por metas desconsiders as condições reais da vida e do trabalho, criando uma “política de excelência” em que as pessoas estão sempre devendo em termos de desempenho.
- Hiperconectividade: Um levantamento da Indeed de 2024 aponta que quase 60% dos colaboradores se sentem estressados na maior parte do tempo e apenas 1 em cada 5 sente que está prosperando no trabalho.
- Maior conscientização: O aumento de diagnósticos também reflete maior capacitação profissional, sensibilidade diagnóstica e estratégias de conscientização sobre saúde mental. O reconhecimento oficial pela OMS em 2022 legitimou o sofrimento e encorajou trabalhadores a buscar ajuda.
O Custo Real do Burnout
Além do sofrimento humano imensurável, o burnout tem um custo econômico astronômico:
Para trabalhadores: Perda de renda durante afastamentos, gastos com tratamento, comprometimento da carreira, impacto nas relações familiares.
Para empresas: Passivo atual de R$ 3,75 bilhões em processos trabalhistas, com valor médio de R$ 369 mil por ação Renovi. Além disso, queda de produtividade, alto turnover, dano reputacional, dificuldade de retenção de talentos e deterioração do clima organizacional.
Para a sociedade: Segundo a OMS, para cada 1 dólar investido em saúde mental, há um retorno de 4 dólares em produtividade. O inverso também é verdadeiro o burnout custa bilhões à economia global.
A Nova Realidade Legal: O Que Mudou em 2025
Com o reconhecimento oficial em janeiro de 2025, trabalhadores diagnosticados passam a ter os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários previstos para demais doenças ocupacionais:
● Código QD85 no atestado médico
● Direito a afastamento remunerado
● Estabilidade de 12 meses após retorno
● Possibilidade de aposentadoria por invalidez em casos graves
● Base para ações de indenização por danos morais e materiais
A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), em vigor desde 2025, transformou a prevenção da saúde mental em exigência legal. Riscos psicossociais (pressão excessiva, jornadas exaustivas, metas desumanas, assédio moral) devem ser identificados, monitorados e gerenciados no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR).
Empresas que ignoram essas obrigações se expõem à fiscalização, autuações e processos trabalhistas. A Lei 14.831/2024 criou ainda o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, reconhecendo organizações que investem em prevenção e cultura de bem-estar.
Estratégias de Prevenção: O Que Realmente Funciona
Pesquisas de 2024 identificam estratégias comprovadamente eficazes em dois níveis:
Nível Individual:
- Estabeleça Limites Claros: Defina horários fixos para começar e terminar o trabalho. Evite falar de trabalho nos momentos de lazer. Se trabalha remotamente, crie rituais físicos que marquem o início e fim do expediente.
- Pratique o Autocuidado Sistemático: Atividade física regular, sono de qualidade (7-9 horas), alimentação adequada e momentos de lazer não são luxo são necessidades básicas para prevenção.
- Desenvolva Inteligência Emocional: Aprenda a reconhecer seus limites, dizer “não” quando necessário e pedir ajuda. O treino assertivo e o autoconhecimento são fundamentais.
- Cultive Relações de Apoio: Mantenha conexões sociais significativas. O isolamento é tanto sintoma quanto agravante do burnout.
- Busque Ajuda Profissional Precocemente: Ao identificar 3 ou mais sintomas persistentes por mais de 2 semanas, procure um psicólogo ou psiquiatra. O tratamento precoce previne agravamentos.
Nível Organizacional: - Gestão Participativa Real: Como defende Cláudia Osório da Fiocruz: “Mais importante que o atendimento psicológico é a mudança das normas de trabalho, do grau de participação dos trabalhadores, da possibilidade da existência de coletivos fortes no dia a dia”.
- Avaliação e Gestão de Riscos Psicossociais: Identificar e mitigar fatores como sobrecarga, falta de autonomia, ambiente tóxico, metas irrealistas e assédio moral.
- Cultura de Reconhecimento e Valorização: Promover valores humanos, respeito, reconhecimento genuíno e possibilidades de crescimento.
- Flexibilidade e Equilíbrio: Oferecer opções de trabalho híbrido, respeitar limites de horário, desencorajar cultura de disponibilidade 24/7.
- Suporte em Saúde Mental: Disponibilizar acesso a psicólogos, programas de bem-estar, treinamentos sobre saúde mental e canais seguros para relatos de problemas.
- Liderança Capacitada: Treinar gestores para identificar sinais precoces, conduzir conversas sobre saúde mental e criar ambientes psicologicamente seguros.
Quando Procurar Ajuda Urgente
Procure atendimento profissional imediatamente se:
● Pensamentos de autoagressão ou suicídio
● Incapacidade de realizar atividades básicas diárias
● Uso de álcool/drogas para lidar com o trabalho
● Ataques de pânico frequentes
● Sintomas físicos severos (palpitações intensas, dores no peito)
● Isolamento social completo
O tratamento geralmente envolve psicoterapia (especialmente cognitivo-comportamental), mudanças no ambiente de trabalho e, em alguns casos, medicação. A recuperação é possível, mas exige tempo, apoio profissional e mudanças estruturais.
O Futuro Que Precisamos Construir
O psiquiatra Bruno Nascimento, professor da Universidade Federal de Pernambuco, é direto: “Vivemos uma epidemia de burnout no Brasil e no mundo”. A explosão de 1.000% em uma década não é um exagero estatístico é um grito de socorro coletivo.
A boa notícia é que a conscientização está crescendo. O reconhecimento oficial do burnout como doença ocupacional, a atualização da NR-1 e o aumento de pesquisas e discussões públicas indicam que estamos, finalmente, levando o problema a sério.
Mas a conscientização não basta. Precisamos de mudanças profundas na forma como trabalhamos, nas expectativas que criamos, na maneira como medimos sucesso. Precisamos de empresas que entendam que saúde mental não é custo, mas investimento. Precisamos de políticas públicas robustas e fiscalização efetiva.
E precisamos lembrar, todos os dias, que somos seres humanos não máquinas de produtividade infinita. O trabalho deve sustentar a vida, não consumi-la.
IMPORTANTE: Este conteúdo tem caráter educativo e informativo, baseado nas evidências científicas e dados epidemiológicos mais recentes (2024-2025), e não substitui avaliação ou orientação médica profissional. Se você está enfrentando sintomas de burnout, procure um psicólogo, psiquiatra ou médico do trabalho de sua confiança para avaliação individualizada. Em situações de crise emocional ou pensamentos suicidas, ligue para o CVV (Centro de Valorização da Vida): 188 (disponível 24 horas, todos os dias).
Referências Científicas:
- DATASUS/Ministério da Saúde (2025). Dados sobre Síndrome de Burnout no Brasil (2014-2024). Fevereiro de 2025.
- Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (2024). Síndrome de Burnout no Brasil: 2014-2024 – Variações Regionais e Tendência Temporal. Novembro de 2024.
- Trench Rossi Watanabe/Folha de S.Paulo (2025). Levantamento sobre processos trabalhistas por burnout. Abril de 2025.
- Medprev (2025). Análise sobre busca por burnout no Brasil. Maio de 2025.
- Associação Nacional de Medicina do Trabalho – Anamt (2023). Dados epidemiológicos sobre burnout no Brasil.
- Organização Mundial da Saúde – OMS (2022). Classificação Internacional de Doenças (CID-11). Reconhecimento do burnout como fenômeno ocupacional.
- Fiocruz/Portal Fiocruz (2025). Reportagem “Síndrome de burnout passa a valer no Brasil”. Janeiro de 2025.
- Indeed (2024). Pesquisa sobre estresse e bem-estar no trabalho.
- Revista FT – Ciências da Saúde (2024). “Estratégias de Prevenção e Manejo do Burnout em Profissionais da Enfermagem”. Volume 29, novembro de 2024.
- Ministério do Trabalho e Emprego (2025). Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) atualizada.
